Passividade - crônica (2017)
- Esther Zancan
- 5 de mar. de 2018
- 2 min de leitura
Um ônibus urbano está prestes a iniciar sua viagem. Pessoas em pé, calor forte. Um certo atraso já é percebido por alguns passageiros. Nesse momento, um homem grita, do fundo do veículo, para um fiscal que está na plataforma: “Vai sair ou não vai?” Eu tenho horário marcado”. O fiscal olha com desdém. O homem comenta com alguém que está ao seu lado: “Tem é que quebrar tudo esses ônibus. A catraca dá um defeitinho e já atrasa tudo. Tem que quebrar tudo. Daí eles resolvem” . No mesmo momento, uma senhora, um pouco distante do homem, comenta com outro passageiro: “Quer conforto? Usa táxi, usa Uber”.
A cena foi real. E, diante de duas opiniões tão conflitantes sobre um mesmo assunto – a precariedade do transporte urbano - me peguei pensando qual dessas duas declarações é mais chocante.
Em um primeiro momento, creio que praticamente todos votariam na do homem, que apontou como solução partir para o quebra – quebra. Sabemos que esse tipo de coisa nunca adiantou nada, só serve para tirar mais coletivos de circulação e só prejudica os próprios usuários. Sem contar a incivilidade.
Mas, confesso que a que me chocou de fato foi a da senhora. Quanta passividade em uma frase de tão poucas palavras (“Quer conforto? Usa táxi, usa Uber”). Por mais condenável que seja a sentença proferida pelo homem, há de se dar um desconto pelo nervosismo do momento. Já a da mulher, me deu medo. Sério que tem gente que, vivendo a realidade do dia a dia do transporte coletivo em nosso país, ainda acha que só quem tem um pouco mais de dinheiro mereça respeito e conforto?
Só corroborou uma impressão que sempre tive, a de que grande parte dos problemas do Brasil se deve à passividade da maioria. Brasileiro tem verdadeiro pavor de ser visto como o chato, o reclamão. E, se não bastasse, pratica quase um bullying com quem ousa reclamar.
Ninguém aqui está incentivando atos extremados. Existem diversas formas de exercer a cidadania sem partir para o quebra-quebra. Fazer uso dos canais de comunicação com as empresas responsáveis, abaixo-assinado, união entre os usuários (que muitas vezes utilizam a mesma linha juntos por anos e, passam pelos mesmos problemas e, nunca se unem em prol de uma melhoria), ou mesmo ir em busca de uma instância mediadora, são possibilidades que devem ser consideradas. Achar que atraso, calor, desconforto é a “pena” por não ter condições de bancar um táxi ou um Uber, me desculpe, mas é o fim da picada.

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